10 de mai. de 2012

Senso moral

Levantando-se de um sonho, Maurício seguia para o banheiro. Precisava jogar água em seu rosto. Depois de tantos anos de vida, mesmo com a aparência de meros vinte e mais ou menos anos, ele achava que já havia sentido de tudo. Já havia vivido tudo, ainda mais sendo um demônio, que experiências podiam haver para serem vividas que ainda não o houvessem sido por aquele homem. No entanto, parecia que sua mente lhe pregava peças durante todas as noites e raras ocasiões durante o dia. Não lhe incomodava, de fato, que seus sonhos lhe pregassem peças ou brincassem com seus sentimentos, suas lembranças e mesmo sua percepção do mundo, afinal eram apenas sonhos. Secou a água de seu rosto e olhou no espelho. Seu rosto estava impecável, a beleza personificada, o sublime em terra firme. Observando toda aquela obra de arte, que não só ele mas toda a comunidade de incubi e sucubi possuía em sua pele, ele pensou como era inútil o fato de ter um espelho em seu banheiro. Seres tão perfeitos não necessitam da presença de um espelho. Pro resto da vida ele ficaria com uma alface em seus dentes. Melhor ter mesmo um espelho. Sorriu para o espelho com a boca esticada, checou a impecabilidade de sua dentaria, sentiu a fragrância da manha em seu hálito de anjo. Como era bom ser um demônio de aparências sem ter no entanto que se preocupar com aparências. E nessa linha indefinida de raciocínios e pensamentos, essa cadeia infinita de bobagens que passam por nossas cabeças, uma lembrança atingiu em cheio sua visão. Ele via aquilo acontecer diante de seus olhos. E lembrar daquilo não era bom. Esquecer as mulheres que ele havia tido relações por uma noite e ido para outro mundo, nunca mais vê-las, era isso que ele sempre fez. Mas por que lembrava agora de todas aquelas meninas que se apaixonaram por ele? Um sentimento de abandono por parte dele tomava conta de toda a sua mente. Um sentimento de culpa. Como assim culpa? Demônios não deveriam sentir culpa, isso é um sentimento muito cristão, muito impregnado de valores morais superficiais, um incubus não deveria ter tais sentimentos morais. Assim que passou a refletir melhor sobre seu aparente sentimentalismo ele parou de sentir. Mas ainda temia por ter em algum momento sentido, e principalmente sentido culpa. Como se a culpa possuísse um certo valor que transcendesse até mesmo os limites do inferno. Ainda temia aquele sentimento, ainda temia.

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