27 de mai. de 2012

Me apaixono a cada olhar

O que tenho que fazer? Olho para um lado e me apaixono por um olhar, viro para o outro e um farto par de seios tira minha atenção sobre qualquer outra coisa. Pernas balançam suavemente em minha frente, quando as vejo subindo escadas então, é uma perdição. A definição muscular, a flacidez da pele, parece que nada me desagrada quando olho, melhor ainda quando sinto, a pele das pessoas. O que mão gosto mesmo é ver uma pessoa realmente feia, cuja cara lembre o semblante de um sapo, olhos separados, nariz afundado, testa avantajada, torso largo e curto, mãos e pés desproporcionais. No trabalho senta a minha frente uma linda mulher, baixa, cabelo esvoaçado com uma mistura de loiro com castanho, seu olhar é inocente e sutil, sua voz é a mesma dos anjos. Me apaixono. Na volta para casa sempre cruzo por essa outra mulher, cabelos bem pretos, um olhar muito mais penetrante, ela vê no fundo de minha alma, sempre está com um cigarro na mão. Não trocamos uma palavra se quer, mas nossos olhares sempre se cruzam, eu fico vermelho ao tentar esboçar um sorriso, ela sorri de volta. Me apaixono. Aos finais de semana corro pela praia, pela montanha, pela rua, por onde quer que eu vá vejo belas formas, lindas mulheres, algumas eu até consigo puxar uma conversa, outras puxam uma conversa, muito melhor quando se dá assim, fico menos nervoso, mas ainda assim me tremo todo, digo que sinto frio do vento, algumas vezes nossos braços se tocam e não tenho como impedir o arrepio que sobe na minha espinha, os pelos de meus braços se eriçam completamente. Me apaixono. Não consigo evitar, cada olhar, cada sorriso, cada toque. Essa timidez me mata, mas não deixo de ser um apaixonado.

18 de mai. de 2012

Fruto de mitos e lendas

Foi-se o tempo em que era fácil exercer uma grande influencia sobre uma cultura toda. Maurício se lembra com carinho daquele momento antes mesmo de a Europa começar a se expandir, antes mesmo de as pessoas começarem a falar. Quantos anos isso lhe dava? Muitos, ele não era o mais velho mas ouviu historias em sua infância, ele mesmo pode aproveitar muito da ignorância dos homens, mais que cem, menos que mil, ainda assim o suficiente para ter muitas lembranças, boas e ruins, e se adaptar ao serviço, não só de sedução mas também à burocracia. Ele ainda era muito jovem, porém já dominava certos truques necessários, os seus favoritos eram os que impressionavam em massa, extremamente necessário para o que ele pretendia fazer, para o que os contos lhe ensinavam. Bastava procurar por um povo qualquer, que fosse afastado de qualquer outro, que não tivesse ainda impregnado em sua cultura aquela terrível noção de bem e mal, não há essa baboseira no mundo, apenas atos, seria tão bom se todos ainda vissem as coisas dessa forma. Tendo encontrado a vila ele começaria seu trabalho, uma aparição mística, com ar de divindade. Com certeza ele era uma entidade, apenas não tão divina como as pessoas pensavam que ele fosse. A partir daí era muito fácil, com sua capacidade de maratonista ele simplesmente efetuava coito com o máximo de pessoas, de preferencia todos da vila, homens, mulheres, velhos, jovens e crianças. O veneno já estava lançado e a veneração ao pênis era eminente. Nem era preciso dizer "venerem meu pênis", até porque ele não estava interessado que venerassem o seu pênis, mas o pênis, não necessariamente o pênis em si, mas o órgão genial. Repetidas vezes ele voltava para as tribos, tornando aquilo um rito anual, mensal, semanal. O que se queria era apenas o bacanal, o prazer.

10 de mai. de 2012

Senso moral

Levantando-se de um sonho, Maurício seguia para o banheiro. Precisava jogar água em seu rosto. Depois de tantos anos de vida, mesmo com a aparência de meros vinte e mais ou menos anos, ele achava que já havia sentido de tudo. Já havia vivido tudo, ainda mais sendo um demônio, que experiências podiam haver para serem vividas que ainda não o houvessem sido por aquele homem. No entanto, parecia que sua mente lhe pregava peças durante todas as noites e raras ocasiões durante o dia. Não lhe incomodava, de fato, que seus sonhos lhe pregassem peças ou brincassem com seus sentimentos, suas lembranças e mesmo sua percepção do mundo, afinal eram apenas sonhos. Secou a água de seu rosto e olhou no espelho. Seu rosto estava impecável, a beleza personificada, o sublime em terra firme. Observando toda aquela obra de arte, que não só ele mas toda a comunidade de incubi e sucubi possuía em sua pele, ele pensou como era inútil o fato de ter um espelho em seu banheiro. Seres tão perfeitos não necessitam da presença de um espelho. Pro resto da vida ele ficaria com uma alface em seus dentes. Melhor ter mesmo um espelho. Sorriu para o espelho com a boca esticada, checou a impecabilidade de sua dentaria, sentiu a fragrância da manha em seu hálito de anjo. Como era bom ser um demônio de aparências sem ter no entanto que se preocupar com aparências. E nessa linha indefinida de raciocínios e pensamentos, essa cadeia infinita de bobagens que passam por nossas cabeças, uma lembrança atingiu em cheio sua visão. Ele via aquilo acontecer diante de seus olhos. E lembrar daquilo não era bom. Esquecer as mulheres que ele havia tido relações por uma noite e ido para outro mundo, nunca mais vê-las, era isso que ele sempre fez. Mas por que lembrava agora de todas aquelas meninas que se apaixonaram por ele? Um sentimento de abandono por parte dele tomava conta de toda a sua mente. Um sentimento de culpa. Como assim culpa? Demônios não deveriam sentir culpa, isso é um sentimento muito cristão, muito impregnado de valores morais superficiais, um incubus não deveria ter tais sentimentos morais. Assim que passou a refletir melhor sobre seu aparente sentimentalismo ele parou de sentir. Mas ainda temia por ter em algum momento sentido, e principalmente sentido culpa. Como se a culpa possuísse um certo valor que transcendesse até mesmo os limites do inferno. Ainda temia aquele sentimento, ainda temia.